quinta-feira, 13 de junho de 2019

ABC do Nordeste Flagelado



A — Ai, como é duro viver
nos Estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover.
É bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar,
sem o inverno começar
no Nordeste brasileiro.

B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto,
com o olhar de penitente;
o fazendeiro, descrente,
um jeito não pode dar,
o sol ardente a queimar
e o vento forte soprando,
a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço,
como os trapos de um lençol,
pras bandas do pôr do sol,
as nuvens vão em fracasso:
aqui e ali um pedaço
vagando... sempre vagando,
quem estiver reparando
faz logo a comparação
de umas pastas de algodão
que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã,
vem da montanha um agouro
de gargalhada e de choro
da feia e triste cauã:
um bando de ribançã
pelo espaço a se perder,
pra de fome não morrer,
vai atrás de outro lugar,
e ali só há de voltar,
um dia, quando chover.

E — Em tudo se vê mudança
quem repara vê até
que o camaleão que é
verde da cor da esperança,
com o flagelo que avança,
muda logo de feição.
O verde camaleão
perde a sua cor bonita
fica de forma esquisita
que causa admiração.

F — Foge o prazer da floresta
o bonito sabiá,
quando flagelo não há
cantando se manifesta.
Durante o inverno faz festa
gorjeando por esporte,
mas não chovendo é sem sorte,
fica sem graça e calado
o cantor mais afamado
dos passarinhos do norte.

G — Geme de dor, se aquebranta
e dali desaparece,
o sabiá só parece
que com a seca se encanta.
Se outro pássaro canta,
o coitado não responde;
ele vai não sei pra onde,
pois quando o inverno não vem
com o desgosto que tem
o pobrezinho se esconde.

H — Horroroso, feio e mau
de lá de dentro das grotas,
manda suas feias notas
o tristonho bacurau.
Canta o João corta-pau
o seu poema funério,
é muito triste o mistério
de uma seca no sertão;
a gente tem impressão
que o mundo é um cemitério.

I — Ilusão, prazer, amor,
a gente sente fugir,
tudo parece carpir
tristeza, saudade e dor.
Nas horas de mais calor,
se escuta pra todo lado
o toque desafinado
da gaita da seriema
acompanhando o cinema
no Nordeste flagelado.

J — Já falei sobre a desgraça
dos animais do Nordeste;
com a seca vem a peste
e a vida fica sem graça.
Quanto mais dia se passa
mais a dor se multiplica;
a mata que já foi rica,
de tristeza geme e chora.
Preciso dizer agora
o povo como é que fica.

L — Lamento desconsolado
o coitado camponês
porque tanto esforço fez,
mas não lucrou seu roçado.
Num banco velho, sentado,
olhando o filho inocente
e a mulher bem paciente,
cozinha lá no fogão
o derradeiro feijão
que ele guardou pra semente.

M — Minha boa companheira,
diz ele, vamos embora,
e depressa, sem demora
vende a sua cartucheira.
Vende a faca, a roçadeira,
machado, foice e facão;
vende a pobre habitação,
galinha, cabra e suíno
e viajam sem destino
em cima de um caminhão.

N — Naquele duro transporte
sai aquela pobre gente,
agüentando paciente
o rigor da triste sorte.
Levando a saudade forte
de seu povo e seu lugar,
sem um nem outro falar,
vão pensando em sua vida,
deixando a terra querida,
para nunca mais voltar.

O — Outro tem opinião
de deixar mãe, deixar pai,
porém para o Sul não vai,
procura outra direção.
Vai bater no Maranhão
onde nunca falta inverno;
outro com grande consterno
deixa o casebre e a mobília
e leva a sua família
pra construção do governo.

P - Porém lá na construção,
o seu viver é grosseiro
trabalhando o dia inteiro
de picareta na mão.
Pra sua manutenção
chegando dia marcado
em vez do seu ordenado
dentro da repartição,
recebe triste ração,
farinha e feijão furado.

Q — Quem quer ver o sofrimento,
quando há seca no sertão,
procura uma construção
e entra no fornecimento.
Pois, dentro dele o alimento
que o pobre tem a comer,
a barriga pode encher,
porém falta a substância,
e com esta circunstância,
começa o povo a morrer.

R — Raquítica, pálida e doente
fica a pobre criatura
e a boca da sepultura
vai engolindo o inocente.
Meu Jesus! Meu Pai Clemente,
que da humanidade é dono,
desça de seu alto trono,
da sua corte celeste
e venha ver seu Nordeste
como ele está no abandono.

S — Sofre o casado e o solteiro
sofre o velho, sofre o moço,
não tem janta, nem almoço,
não tem roupa nem dinheiro.
Também sofre o fazendeiro
que de rico perde o nome,
o desgosto lhe consome,
vendo o urubu esfomeado,
puxando a pele do gado
que morreu de sede e fome.

T — Tudo sofre e não resiste
este fardo tão pesado,
no Nordeste flagelado
em tudo a tristeza existe.
Mas a tristeza mais triste
que faz tudo entristecer,
é a mãe chorosa, a gemer,
lágrimas dos olhos correndo,
vendo seu filho dizendo:
mamãe, eu quero morrer!

U — Um é ver, outro é contar
quem for reparar de perto
aquele mundo deserto,
dá vontade de chorar.
Ali só fica a teimar
o juazeiro copado,
o resto é tudo pelado
da chapada ao tabuleiro
onde o famoso vaqueiro
cantava tangendo o gado.

V — Vivendo em grande maltrato,
a abelha zumbindo voa,
sem direção, sempre à toa,
por causa do desacato.
À procura de um regato,
de um jardim ou de um pomar
sem um momento parar,
vagando constantemente,
sem encontrar, a inocente,
uma flor para pousar.

X — Xexéu, pássaro que mora
na grande árvore copada,
vendo a floresta arrasada,
bate as asas, vai embora.
Somente o saguim demora,
pulando a fazer careta;
na mata tingida e preta,
tudo é aflição e pranto;
só por milagre de um santo,
se encontra uma borboleta.

Z — Zangado contra o sertão
dardeja o sol inclemente,
cada dia mais ardente
tostando a face do chão.
E, mostrando compaixão
lá do infinito estrelado,
pura, limpa, sem pecado
de noite a lua derrama
um banho de luz no drama
do Nordeste flagelado.

Posso dizer que cantei
aquilo que observei;
tenho certeza que dei
aprovada relação.
Tudo é tristeza e amargura,
indigência e desventura.
— Veja, leitor, quanto é dura
a seca no meu sertão

A terra é naturá


Sinhô doutô, meu ofício
É servir ao meu patrão.
Eu não sei fazê comício,
Nem discurso, nem sermão;
Nem sei as letra onde mora,
Mas porém, eu quero agora
Dizê, com sua licença,
Uma coisa bem singela,
Que a gente pra dizer ela
Não precisa de sabença.

Se um pai de famia honrado,
Morre, deixando a famia,
Os seus fiinho adorado
Por dono da moradia,
E aqueles irmão mais véio,
Sem pensá nos Evangéio,
Contra os novo a toda hora
Lança da inveja o veneno
Inté botá os mais pequeno
Daquela casa pra fora.

Disso tudo o resultado
Seu doutô sabe a verdade,
Pois, logo os prejudicado
Recorre às autoridade;
E no chafurdo infeliz
Depressa vai o juiz
Fazê a paz dos irmão
E se ele for justiceiro
Parte a casa dos herdeiro
Pra cada qual seu quinhão.

Seu doutô, que estudou muito
E tem boa educação,
Não ignore este assunto
Da minha comparação,
Pois este pai de famia
É o Deus da Soberania,
Pai do sinhô e pai meu,
Que tudo cria e sustenta,
E esta casa representa
A terra que Ele nos deu.

O pai de famia honrado,
A quem tô me referindo,
É Deus nosso Pai Amado
Que lá do Céu tá me ouvindo,
O Deus justo que não erra
E que pra nós fez a terra,
Este planeta comum;
Pois a terra com certeza
É obra da natureza
Que pertence a cada um.

Esta terra é como o Sol
Que nasce todos os dia
Brilhando o grande, o menor
E tudo que a terra cria.
O sol clareia os monte,
Também as água das fonte,
Com a sua luz amiga,
Protege, no mesmo instante,
Do grandaião elefante
A pequenina formiga.

Esta terra é como a chuva,
Que vai da praia a campina,
Molha a casada, a viúva,
A véia, a moça, a menina.
Quando sangra o nevoeiro,
Pra conquistá o aguaceiro
Ninguém vai fazê fuxico,
Pois a chuva tudo cobre,
Molha a tapera do pobre
E a grande casa do rico.

Esta terra é como a lua,
Este foco prateado
Que é do campo até a rua,
A lâmpada dos namorado;
Mas, mesmo ao véio corcundo,
Já com ar de moribundo
Sem amô, sem vaidade,
Esta lua cor de prata
Não lhe deixa de ser grata;
Lhe manda quilaridade.

Esta terra é como o vento,
O vento que, por capricho
Assopra, às vez, um momento,
Brando, fazendo cochicho.
Outras vez, vira o capêta,
Vai fazendo piruêta,
Roncando com desatino,
Levando tudo de móio
Jogando arguêiro nos óio
Do grande e do pequenino.

Se o orguiôso pudesse
Com seu rancô desmedido,
Talvez até já tivesse
Este vento repartido,
Ficando com a viração
Dando ao pobre o furacão;
Pois sei que ele tem vontade
E acha mesmo que precisa
Gozá de frescor da brisa,
Dando ao pobre a tempestade.

Pois o vento, o sol, a lua,
A chuva e a terra também,
Tudo é coisa minha e sua,
Seu doutô conhece bem.
Pra se sabê disso tudo
Ninguém precisa de estudo;
Eu, sem escrevê nem ler,
Conheço desta verdade,
Seu dotô, tenha bondade
De ouvir o que vou dizê.

Não invejo o seu tesouro,
Sua mala de dinheiro
A sua prata, o seu ouro
O seu boi, o seu carneiro
Seu repouso, seu recreio,
Seu bom carro de passeio,
Sua casa de morar
E a sua loja sortida,
O que quero nesta vida
É terra pra trabaiá.

Escute o que tô dizendo,
Seu doutô, seu coroné:
De fome tão padecendo
Meus fio e minha muié.
Sem briga, questão nem guerra,
Meça desta grande terra
Umas tarefa pra eu!
Tenha pena do agregado
Não me deixe deserdado
Daquilo que Deus me deu.


Vaca Estrela e boi Fubá

Seu douto, me dê licença
pra minha história eu conta.
Se hoje eu tou na terra estranha
E é bem triste o meu pena,
Mas já fui muito feliz
Vivendo no meu luga.
Eu tinha cavalo bom,
Gostava de campeá
E todo dia aboiava
na portêra do curra.
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.

Eu sou fio do Nordeste,
Não nego meu naturá
Mas uma seca medonha
Me tanjeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinho,
Não é bom nem maginá,
Minha bela Vaca Estrela
E o meu lindo Boi Fubá
Quando era de tardezinha
eu começava a aboiá
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.

Aquela seca medonha
Fez tudo se trapaiá;
Não nasceu capim no campo
Para o gado sustentá
O sertão esturricou,
Fez os açude secá,
Morreu minha Vaca Estrela,
Se acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto tinha,
Nunca mais pude aboiá
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.


E hoje, nas terra do Sú,
Longe do torrão natá,
Quando eu vejo em minha frente
Uma boiada passá,
As água corre dos oio,
Começo logo a chorá
Me lembro da Vaca Estrela,
Me lembro do Boi Fubá;
Com sodade do Nordeste
Dá vontade de aboiá
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá.


Mãe Preta

O coração do inocente,
É como a terra estrumada,
Qui a gente pranta a simente
E a mesma nace corada,
Lutrida e munto viçosa.
Na nossa infança ditosa,
Quando o amô e a simpatia
Toma conta da criança,
Esta sodosa lembrança
Vai batê na cova fria.

Quem pela infança passou,
O meu dito considera,
Eu quero, com grande amô,
Dizê Mãe Preta quem era.
- Mãe Preta dava a impressão
Da noite de iscuridão,
com seus mistero profundo,
Iscondendo seus praneta;
Foi ela a preta mais preta
Das preta qui eu vi no mundo.

Mas porém, sua arma pura,
Era branca como a orora,
E tinha a doce ternura
Da Virge Nossa Senhora.
Quando amanhecia o dia,
Pra minha rede ela ia
Dizendo palavra bela;
Pra cuzinha me levava
E um cafezim eu tomava
Sentado no colo dela.

Quando as minha brincadêra
Causava contrariedade
A minha mãe verdadêra
Com a sua otoridade,
As vez brigava comigo
E num gesto de castigo,
Botava os óio pra mim,
Mas porém, não me batia,
Somente pruque sabia
Qui mãe preta achava ruim.

Por isso eu não tinha medo,
Sempre contente vivia
Mexendo nos meus brinquedo
E fazendo istripolia.
Dentro de nossa morada,
Pra mim não fartava nada,
O meu mundo era Mãe Preta;
Foi ela quem me ensinou
Muntas cantiga de amô,
E brincá de carrapeta.

Se as vez eu brincando tava
De barbuleta a pegá,
E impaciente ficava
Inraivicido a chorá,
Ela com munta alegria,
Um certo jeito fazia,
Com carinho e com amô,
Apanhava as barbuleta;
Foi ela uma santa preta,
Que o mundo de Deus criou.

Se chegava a noite iscura
Com seus negrume sem fim,
Ela com toda ternura,
Chegava perto de mim
Uma coisa cochichava
E depois qui me bejava,
Me levava pra dromida
Sobre os seus braços lustroso.
Aquilo sim, era gozo,
Aquilo sim, era vida.

E despois de me deitá
Na minha pequena rede,
Balançava devagá
Pra não batê na parede,
Contando estes lindos verso
Qui neste grande universo
Ôtros mais belo não vi,
E enquanto ela balançava
E estes versinho cantava,
Eu percurava dromi.

-Dorme, dorme, meu menino,
Já chegou a escuridão,
A treva da noite escura
Está cheia de papão.

No teu sono terás beijos
Da rosa e do bugari
E os espíritos benfazejos
Te defendem do saci.

Dorme, dorme, meu menino,
Já chegou a escuridão
A treva da noite escura
Está cheia de papão.

Dorme teu sono inocente
Com Jesus e com Maria,
Até chegar novamente
O clarão do novo dia.

Iscutando com respeito
Estes verso pequenino,
Eu sintia no meu peito
Tudo quanto era divino;
Nem tuada sertaneja,
Nem os bendito da igreja,
Nem os toque de retreta,
In mim ficaro gravado,
Como estes versos cantado
Por minha boa Mãe Preta.


Mas porém, eu bem menino,
Qui nem sabia pecá,
Os ispinho do destino
Começaro a me furá.
Mãe Preta qui era contente,
tava um dia deferente.
Preguntei o que ela tinha
E assim que ela oiô pra eu
Dois pingo d'água desceu
Dos óio da coitadinha.

Daquele dia pra cá,
Minha amorosa Mãe Preta,
Não pôde mais me ajudá
Nas pega de barbuleta,
Sem prazê, sem alegria
Dentro de um quarto vivia,
O dia e a noite intêra,
Sem achá consolação,
Inriba de seu croxão
De foia de bananera.

Quando ela pra mim oiava,
Como quem sente um desgosto,
A minha mão apertava
E o pranto banhava o rosto.
Divido este sofrimento,
Naquele seu aposento,
No quarto onde ela viva,
Me improibiro de entrá,
Promode não magoá
As dô que a pobe sintia.

Eu mesmo dizê não sei
Qual foi a surpresa minha,
Quando um dia eu acordei,
Bem cedo domenhãzinha
Entrei na sala e dei fé
Qui um magote de muié
Tava rezando oração;
E vi Mãe Preta vestida
Numa ropona comprida,
Arva, da cô de argodão.

Sinti no peito um cansaço,
Depois uns home chegaro
Levantaro ela nos braço
E numa rede botaro.
A rede tava amarrada
Numa peça perparada
De madêra bem polida,
E naquela mesma hora,
Levaro de estrada afora
Minha Mãe Preta querida.

Mamãe com todo carinho,
Chorando um bêjo me deu
E me disse - meu fiinho,
Sua Mãe Preta morreu! 
E ôtras coisa me dizendo,
Sinti meu corpo tremendo,
Me jurguei um pobre réu,
Sem consolo e sem prazê,
Com vontade de morrê,
Pra vê Mãe Preta no céu.

O coração do inocente,
É como terra estrumada
Que a gente pranta a semente,
E a mesma nasce corada
Lutrida e munto viçosa;
Na nossa infança ditosa,
Quando o amô e a simpatia
Toma conta da criança,
Esta sodosa lembrança
Vai batê na cova fria.


Caboclo Roceiro

Caboclo Roceiro, das plaga do Norte,
Que vive sem sorte, sem terra e sem lar,
A tua desdita é tristonho que canto,
Se escuto o meu pranto me ponho a chorar.

Ninguém te oferece um feliz lenitivo,
És rude, cativo, não tens liberdade.
A roça é teu mundo e também tua escola,
Teu braço é a mola que move a cidade.

De noite, tu vives na tua palhoça,
De dia, na roça, de enxada na mão,
Julgando que Deus é um pai vingativo,
Não vês o motivo da tua opressão.

Tu pensas, amigo, que a vida que levas,
De dores e trevas debaixo da cruz
E as crises constantes, quais sinas e espadas,
São penas mandadas por Nosso Jesus.

Tu és, nesta vida, o fiel penitente,
Um pobre inocente no banco do réu.

Caboclo, não guardes contigo esta crença,
A tua sentença não parte do céu.

O Mestre Divino, que é Sábio Profundo,
Não fez, neste mundo, teu fardo infeliz.
As tuas desgraças, com tuas desordens
Não nascem das ordens do Eterno Juiz

A lua se apaga sem ter empecilho,
O sol o seu brilho jamais te negou,
Porém os ingratos, com ódio e com guerra,
Tomaram-te a terra que Deus te entregou.

De noite, tu vives na tua palhoça,
De dia, na roça, de enxada na mão,
Caboclo roceiro, sem lar, sem abrigo,
Tu és meu amigo, tu és meu irmão.




Vida Sertaneja

Sou matuto sertanejo
Daquele matuto pobre
Que não tem gado nem quêjo,
Nem ôro, prata, nem cobre.
Sou sertanejo rocêro
Eu trabalho o dia intêro,
Que seja inverno ou verão.
Minhas mão é calejada
Minha pele é bronzeada
Da quintura do sertão.

Por força da natureza,
Sou poeta nordestino,
Porém só canto a pobreza
Do meu mundo pequenino.
Eu não sei cantar as gulora,
Também não canto as vitora
Dos herói com seus brasão,
Nem o má com suas água...
Só sei cantar minhas mágua
E as mágua de meus irmão.

Canto a vida dessa gente
Que trabaia inté morre
Sirrindo, alegre e contente,
Sem dá fé do padecê,
Desta gente sem leitura,
Que, mesmo na desventura,
Se sente alegre e feliz,
Sem nada sabê na terra,
Sem sabe se existe guerra
De país cronta país.

Eu canto o forte caboco,
De gibão e chapéu de côro,
Que, com corage de loco,
Infrenta a raiva do tôro
Com um agudo ferrão.
E das noite de São João
Eu canto as bela foguêra
Com seu fogo milagroso
Segredo misterioso
Das moça casamentêra.

Eu canto o sertão querido,
A fonte dos meus poema,
Onde se inscuta o tinido
Do grito de sariema
E onde o sertanejo veio
Observa os Evangeio
E nas noite de luá,
Sirrindo, alegre e ditoso,
Conta a istora de Trancoso
Para o seu neto iscutá.

Sou sertanejo e me gabo
De já tê visto o vaquêro,
Atrás do novio brabo
Atravessá o tabulêro.
Amo a vida camponesa,
Nunca invejei a beleza
E a fantasia da praça.
Eu sou irmão do cabôco,
Que ri, que zomba e faz pôco
Da sua própia desgraça.
Cabôco que não cubiça
Riqueza nem posição
E nem aceita a maliça
Morá no seu coração.
Cabôco que, nesta vida,
Além da sua comida,
O que mais estima e qué,
É a paz, a honra e o brio,
O carinho de seus fio
E a bondade da muié.

O que mais preza e percura
O matuto camponês
É não quebrá sua jura,
Que, no casamento, fez.
Sem enfado e sem preguiça,
Quando vai uvi a missa,
De paz, amô e alegria,
Leva o seu coração cheio,
Prumode uvi os consêio
Do padre da freguezia.

E assim, na sua peleja,
Com a famia que tem,
Não inveja nem deseja
O gozo de seu ninguém.
Mas, por infelicidade,
Cronta seu gosto e vontade,
Munta vez, o pobre vê
A muié morrê de parto,
Gemendo dentro de um quarto,
Sem ninguém lhe socorrê.

Morre aquela criatura,
Depois, a pobre coitada,
No rumo da sepultura,
Vai numa rêde imbruiada.
Um adjunto de gente,
Uns atrás, ôtros na frente,
Num apressado rojão,
Quando um sorta, o ôtro pega:
É assim que se carrega
Morto pobre, no sertão.

Fica, o viúvo, coitado!
De arma triste e dilurida,
Para sempre separado
Do mió de sua vida,
Mas, porém, não percebeu
Que a sua muié morreu,
Só por fartá um dotô.
E, como nada conhece,
Diz, rezando a sua prece:
Foi Deus que ditriminou!

Pensando assim desta forma,
Resignado, padece;
Paciente, se conforma
Com as coisa que acontece.
Coitado! Ignora tudo,
Pois ele não tem estudo,
Também não tem assistença.
E por nada conhecê
Em tudo o camponês vê
O dedo da Providença.

Só a coisa que o matuto
Conhece, repara e vê
É tê que pagá tributo
Sem ninguém lhe socorrê,
É derramá seu suó,
Com paciença de Jó,
Mode botá seu roçado,
Esperto, forte e disposto
E tê que pagá imposto
Sem ninguém tê lhe ajudado.

Às vez, alegre e contente,
Quanto é tempo de fartura,
Ele diz pra sua gente:
Nossa safra tá segura!
Mas, de repente, intristece,
Pruquê magina e conhece
Que os home de posição
Só óia para o seu rosto
Pra ele pagá imposto
Ou votá nas inleição.

Quando aparece um sujeito,
De gravata e palitó,
Todo alegre e sastifeito,
Como quem caça xodó,
O matuto experiente
Repara pra sua gente
E, sem tê medo de errá,
Diz, com um certo desgosto:
“Ele vem cobrá imposto
Ou pedi pra nóis votá”.


Dois Quadros


Na seca inclemente do nosso Nordeste,
O sol é mais quente e o céu mais azul
E o povo se achando sem pão e sem veste,
Viaja à procura das terra do Sul.

De nuvem no espaço, não há um farrapo,
Se acaba a esperança da gente roceira,
Na mesma lagoa da festa do sapo,
Agita-se o vento levando a poeira.

A grama no campo não nasce, não cresce:
Outrora este campo tão verde e tão rico,
Agora é tão quente que até nos parece
Um forno queimando madeira de angico.

Na copa redonda de algum juazeiro
A aguda cigarra seu canto desata
E a linda araponga que chamam Ferreiro,
Martela o seu ferro por dentro da mata.

O dia desponta mostrando-se ingrato,
Um manto de cinza por cima da serra
E o sol do Nordeste nos mostra o retrato
De um bolo de sangue nascendo na terra.

Porém, quando chove, tudo é riso e festa,
O campo e a floresta prometem fartura,
Escutam-se as notas agudas e graves
Do canto das aves louvando a natura.
Alegre esvoaça e gargalha o jacu,
Apita o nambu e geme a juruti
E a brisa farfalha por entre as verduras,
Beijando os primores do meu Cariri.

De noite notamos as graças eternas
Nas lindas lanternas de mil vagalumes,
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes

Se o dia desponta, que doce harmonia!
A gente aprecia o mais belo compasso.
Além do balido das mansas ovelhas,
Enxames de abelhas zumbindo no espaço.

E o forte caboclo da sua palhoça,
No rumo da roça, de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo, contente,
Lançar a semente na terra molhada.

Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel, prazerento, modesto e feliz,
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso do nosso país.



domingo, 9 de junho de 2019

O peixe


Tendo por berço o lago cristalino, 
Folga o peixe, a nadar todo inocente, 
Medo ou receio do porvir não sente, 
Pois vive incauto do fatal destino. 

Se na ponta de um fio longo e fino 
A isca avista, ferra-a inconsciente, 
Ficando o pobre peixe, de repente, 
Preso ao anzol do pescador ladino. 
O camponês também do nosso Estado 
Ante a campanha eleitoral, coitado! 
Daquele peixe tem a mesma sorte. 

Antes do pleito, festa, riso e gosto, 
Depois do pleito, imposto e mais imposto 
Pobre matuto do sertão do norte! 

Cante lá que eu canto cá: poema e declamação de Patativa do Assaré



Poeta, cantô da rua, 
Que na cidade nasceu, 
Cante a cidade que é sua, 
Que eu canto o sertão que é meu.

Se aí você teve estudo, 
Aqui, Deus me ensinou tudo, 
Sem de livro precisá 
Por favô, não mêxa aqui, 
Que eu também não mexo aí, 
Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação, 
Aprendeu munta ciença, 
Mas das coisa do sertão 
Não tem boa esperiença. 
Nunca fez uma paioça, 
Nunca trabaiou na roça, 
Não pode conhecê bem, 
Pois nesta penosa vida, 
Só quem provou da comida 
Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão, 
Precisa nele morá, 
Tê armoço de fejão 
E a janta de mucunzá, 
Vivê pobre, sem dinhêro, 
Trabaiando o dia intêro, 
Socado dentro do mato, 
De apragata currelepe, 
Pisando inriba do estrepe, 
Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso, 
Sabe lê, sabe escrevê, 
Pois vá cantando o seu gozo, 
Que eu canto meu padecê. 
Inquanto a felicidade 
Você canta na cidade, 
Cá no sertão eu infrento 
A fome, a dô e a misera. 
Pra sê poeta divera, 
Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja 
Bordada de prata e de ôro, 
Para a gente sertaneja 
É perdido este tesôro. 
Com o seu verso bem feito, 
Não canta o sertão dereito, 
Porque você não conhece 
Nossa vida aperreada. 
E a dô só é bem cantada, 
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito, 
Com tudo quanto ele tem, 
Quem sempre correu estreito, 
Sem proteção de ninguém, 
Coberto de precisão 
Suportando a privação 
Com paciença de Jó, 
Puxando o cabo da inxada, 
Na quebrada e na chapada, 
Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa, 
Veja que eu tenho razão 
Em lhe dizê que não mêxa 
Nas coisa do meu sertão. 
Pois, se não sabe o colega 
De quá manêra se pega 
Num ferro pra trabaiá, 
Por favô, não mêxa aqui, 
Que eu também não mêxo aí, 
Cante lá que eu canto cá.

Repare que a minha vida 
É deferente da sua. 
A sua rima pulida 
Nasceu no salão da rua. 
Já eu sou bem deferente, 
Meu verso é como a simente 
Que nasce inriba do chão; 
Não tenho estudo nem arte, 
A minha rima faz parte 
Das obra da criação.

Mas porém, eu não invejo 
O grande tesôro seu, 
Os livro do seu colejo, 
Onde você aprendeu. 
Pra gente aqui sê poeta 
E fazê rima compreta, 
Não precisa professô; 
Basta vê no mês de maio, 
Um poema em cada gaio 
E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura, 
É um tá sarapaté, 
Que quem tem pôca leitura 
Lê, mais não sabe o que é. 
Tem tanta coisa incantada, 
Tanta deusa, tanta fada, 
Tanto mistéro e condão 
E ôtros negoço impossive. 
Eu canto as coisa visive 
Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio 
Com todas coisa daqui: 
Pra toda parte que eu óio 
Vejo um verso se bulí. 
Se as vêz andando no vale 
Atrás de curá meus male 
Quero repará pra serra 
Assim que eu óio pra cima, 
Vejo um divule de rima 
Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra 
De fruita de jatobá, 
De fôia de gamelêra 
E fulô de trapiá, 
De canto de passarinho 
E da poêra do caminho, 
Quando a ventania vem, 
Pois você já tá ciente: 
Nossa vida é deferente 
E nosso verso também.

Repare que deferença 
Iziste na vida nossa: 
Inquanto eu tô na sentença, 
Trabaiando em minha roça, 
Você lá no seu descanso, 
Fuma o seu cigarro mando, 
Bem perfumado e sadio; 
Já eu, aqui tive a sorte 
De fumá cigarro forte 
Feito de paia de mio.

Você, vaidoso e facêro, 
Toda vez que qué fumá, 
Tira do bôrso um isquêro 
Do mais bonito metá. 
Eu que não posso com isso, 
Puxo por meu artifiço 
Arranjado por aqui, 
Feito de chifre de gado, 
Cheio de argodão queimado, 
Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida 
E a minha é grande pená. 
Só numa parte de vida 
Nóis dois samo bem iguá: 
É no dereito sagrado, 
Por Jesus abençoado 
Pra consolá nosso pranto, 
Conheço e não me confundo 
Da coisa mió do mundo 
Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá 
Nem você invejá eu, 
O que Deus lhe deu por lá, 
Aqui Deus também me deu. 
Pois minha boa muié, 
Me estima com munta fé, 
Me abraça, beja e qué bem 
E ninguém pode negá 
Que das coisa naturá 
Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade 
Toda cheia de razão: 
Fique na sua cidade 
Que eu fico no meu sertão. 
Já lhe mostrei um ispeio, 
Já lhe dei grande conseio 
Que você deve tomá. 
Por favô, não mexa aqui, 
Que eu também não mêxo aí, 
Cante lá que eu canto cá.