sábado, 8 de junho de 2019

"A triste partida": poema de Patativa do Assaré na voz de Luiz Gonzaga




Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu deus, que é de nós? 
Assim fala o pobre do seco Nordeste, 
Com medo da peste, 
da fome feroz. 

A treze do mês ele fez a experiença, 
Perdeu sua crença
Nas pedra de sá. 
Mas nôta experiença com gosto se agarra, 
pensando na barra 
Do alegre Natá. 

Rompeu-se o Natá, porém barra não veio, 
O só, bem vermeio, 
Nasceu munto além. 
Na copa da mata, buzina a cigarra, 
Ninguém vê a barra, 
Pois barra não tem. 

Sem chuva na terra descamba janêro, 
Depois, feverêro, 
E o mêrmo verão. 
Entonce o rocêro, pensando consigo, 
Diz: isso é castigo! 
Não chove mais não! 

Apela pra março, que é o mês preferido
Do Santo querido, 
Senhô São José. 
Mas nada de chuva! tá tudo sem jeito, 
Lhe foge do peito 
O resto da fé. 

Agora pensando segui ôtra tria, 
Chamando a famia 
Começa a dizê: 
Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo, 
Nós vamo a São Palo
Vivê ou morrê. 

Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia; 
Por terras aleia 
Nós vamo vagá. 
Se o nosso destino não fô tão mesquinho, 
Pro mêrmo cantinho 
Nós torna a vortá. 

E vende o seu burro, o jumento e o cavalo, 
Inté mêrmo o galo 
Vendêro também, 
Pois logo aparece feliz fazendêro, 
Por pôco dinhêro
Lhe compra o que tem. 

Em riba do carro se junta a famia; 
Chegou o triste dia, 
Já vai viajá. 
A seca terrive, que tudo devora, 
Lhe bota pra fora
Da terra natá. 

O carro já corre no topo da serra. 
Oiando pra terra, 
Seu berço, seu lá, 
Aquele nortista, partido de pena, 
De longe inda acena:
Adeus, Ceará! 

No dia seguinte, já tudo enfadado, 
E o carro embalado, 
Veloz a corrê, 
Tão triste, coitado, falando saudoso, 
Um fio choroso 
Escrama, a dizê: 

- De pena e sodade, papai, sei que morro! 
Meu pobre cachorro, 
Quem dá de comê? 
Já ôto pergunta: - Mãezinha, e meu gato?
Come fome, sem trato, 
Mimi vai morrê! 

E a linda pequena, tremendo de medo: 
- Mamãe, meus brinquedo! 
Meu pé de fulô! 
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca! 
E a minha boneca
Também lá ficou. 

E assim vão dexando, com choro e gemido, 
Do berço querido
O céu lindo e azu. 
Os pai, pesaroso, nos fio pensando, 
E o carro rodando
Na estrada do Su. 

Chegaro em São Palo - sem cobre, quebrado. 
O pobre, acanhado, 
Percura um patrão. 
Só vê cara estranha, da mais feia gente, 
Tudo é diferente 
Do caro torrão.

Ingém de ferro, eu não quero 
Abatê sua grandeza, 
Mas eu não lhe considero
Como coisa de beleza,
Eu nunca lhe achei bonito, 
Sempre lhe achei esquesito, 
Orguioso e munto mau. 
Até mesmo a rapadura
Não tem aquela doçura
Do tempo do ingém de pau. 

Ingém de pau! Coitadinho! 
Ficou no triste abandono
E você, você sozinho 
Hoje é quem tá sendo dono 
Das cana do meu país. 
Derne o momento infeliz 
Que o ingém de pau levou fim, 
Eu sinto sem piedade 
Três moenda de sodade 
Ringindo dentro de mim. 

Nunca mais tive prazê 
Com muage neste mundo 
E o causadô de eu vivê 
Como um pobre vagabundo, 
Pezaroso, triste e pérro, 
Foi você, ingém de ferro, 
Seu safado, seu ladrão! 
Você me dexô à toa, 
Robou as coisinha boa 
Que eu tinha em meu coração! 

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