domingo, 9 de junho de 2019

A muié qui mais amei: poema e declamação por Patativa do Assaré




Era um modelo prefeito 
A muié qui mais amei, 
Linda e simpate de um jeito 
Que eu mesmo dizê não sei.
Era bela, munto bela;
Mode cumpará com ela,
Outra coisa eu não arranjo 
E por isso tenho dito 
Que se anjo é mesmo bonito, 
Era o retrato dum anjo. 

Sei que arguém não me acredita, 
Mas eu digo com razão, 
Foi a muié mais bonita 
De riba de nosso chão; 
Era mesmo de incomenda 
E do amô daquela prenda 
Eu fui o merecedô, 
Eu era mesmo sozinho 
Dono de todo carinho 
Daquele anjo incantadô. 

Era bem firme a donzela, 
Só neu vivia pensando. 
Quando eu oiava pra ela, 
Ela já tava me oiando. 
Mode a agente cunversá 
E o amô continuá 
Quando eu não ia, ela vinha, 
Um do outro sempre bem perto 
Nosso amô dava tão certo 
Que nem faca na bainha. 

E por sorte ou por caprico, 
Eu tinha prata, oro e cobre. 
Dinhêro in mim era lixo 
In casa de gente pobre. 
Nóis nunca perdia os ato 
De cinema e de triato 
De drama e mais diversão, 
Não fartava coisa arguma, 
As nota eu tinha de ruma 
Pra nóis andá de avião. 

Meu grande contentamento, 
Não havia mais amió 
E nossos dois pensamento 
Pensava uma coisa só. 
Pra disfrutá minha vida 
Perto de minha querida 
Eu não popava dinhêro. 
Tanta sorte nóis tivemo 
Que muntas viage demo 
Nas terras dos estranjêro. 

E quando nóis se trajava 
E saía a passiá 
O povo todo arredava 
Mode vê nóis dois passá 
Cada quá mais prazentêro 
Deste nosso mundo intêro 
Nóis dois era os mais feliz, 
Vivia nas artas roda 
E só trajava nas moda 
Dos modelo de Paris. 

Assim a vida corria
E o prazê continuava
Aonde um fosse o outro ia 
Onde um tivesse o outro tava; 
Pra festa de posição 
Das mais arta ingorfação
Nunca fartava cunvite 
Mode dizê a verdade 
A nossa felicidade 
Já passa do limite. 

Era boa a nossa sorte 
E não mudava um segundo 
Ninguém pensava na morte 
E o céu era aqui no mundo. 
Na refeição nóis comia 
Das mais mió iguaria 
Sem falá de carne e arroz 
E por isso munta gente 
Ficava ringindo os dente 
Com ciúme de nóis dois. 

Foi uma coisa badeja 
A vida qui eu desfrutei, 
Mas pra quem tivé inveja
Dessa vida que eu levei
Com tanta felicidade, 
Eu vou dizê a verdade, 
Pois não ingano a ninguém. 
Aquele anjinho risonho 
Eu vi foi durante um sonho; 
Muié nunca me quis bem! 

A história não foi verdade,
Todo sonho é mentiroso 
Aquela felicidade
De tanto luxo e de gozo 
Sem o menó sacrifiço, 
Foi negoço fictiço, 
Não foi coisa verdadêra. 
Eu fiquei dando o cavaco: 
"Estes alimento fraco 
Só dá pra sonhá bestêra". 

De noite eu tinha jantado
Um mucunzá sem tempero 
E acordei arvoroçado 
Sem muié e sem dinhêro; 
Ainda reparei bem 
Mode vê se via arguém 
De junto de minha rede 
Mas, invez de tudo aquilo 
Só uvi cantando os grilo 
Nos buraco das parede. 

Quando acordei tava só 
Sem tê ninguém do meu lado, 
Era munto mais mió 
Que eu não tivesse sonhado. 
Quem já vai no fim da estrada 
Levando a carga pesada 
De sofrimento sem fim, 
Doente, cansado e fraco 
Vem um sonho inchendo o saco 
Piorá quem já tá ruim. 

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